Com alta do preço da carne, família de SC cozinha ossos para alimentação e distribui sopa solidária

Família da Grande Florianópolis disse que por conta da crise agravada acaba comprando ossos de boi e de porco em açougues para colocar comida na mesa de casa. O Procon recomendou que estabelecimentos doem e não vendam o produto; especialistas avaliam a situação.

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Fonte: G1

A família da doceira Angelita Pereira de Oliveira de São José, na Grande Florianópolis, não consome carne bovina há pelo menos dois meses. Segundo ela, a alta do preço do produto tem feito com que eles se alimentem com ossos de boi e de porco que compram em açougues.

No congelador da residência alugada, que ela divide com mais cinco pessoas, há sacolas com temperos e ossos congelados para as refeições.

"Antigamente, os açougueiros faziam doação desses ossos. E hoje em dia, não. A gente vai no açougue, a gente pergunta é 'ó, é R$ 5, é R$ 10'. Depende o peso, né. É uma alternativa para gente poder dar um gostinho na comida", afirma a doceira Angelita Pereira de Oliveira.

Família cozinha ossos para se alimentar em São José

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Família cozinha ossos para se alimentar em São José  

A renda de Angelita vem dos pedidos de doces que recebe. No entanto, as vendas também estão baixas, segundo ela.

"A [compra da] carne não tem mais condições. O [preço] frango está aumentando demais também. Vai num dia, é um preço. Vai no outro dia, já é outro valor. Então, está pesando demais mesmo", afirma a doceira.

O único na residência que tem emprego fixo é o marido dela, Devervir de Souza. Além dos ossos para o consumo próprio, a família ainda compartilha sopas que faz com famílias carentes da cidade duas vezes por semana.

"Não tem mais condições da gente comprar carne, não tem. A gente se vira como pode. Ir no mercado, hoje, está um caos. Você vai lá com R$ 500 e tu não traz mais nada. É muito caro a mercadoria", afirma o zelador Devervir de Souza.

Recomendação do Procon e Acats

Uma nota técnica foi emitida pela Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) na quarta-feira (6) após a imagem de uma placa em um açougue sobre venda de ossos viralizar nas redes sociais, onde informava que o produto não seria doado. A recomendação pede que os estabelecimentos, como açougues e mercados, não vendam osso de boi.

Segundo o diretor do órgão, Tiago Silva, a prática pode ferir Código de Defesa do Consumior por exigir dele "vantagem manifesta excessiva".

"No momento de crise que estamos vivendo é até desumano que esses estabelecimentos estejam cobrando por ossos", disse Silva.

Ossos em SC  — Foto: NSC TV/Reprodução

Ossos em SC — Foto: NSC TV/Reprodução  

Até quarta-feira (6), o Procon visitou 45 estabelecimentos em Florianópolis que vendem carne e não encontrou nenhuma comecialização de ossos bovinos. O local onde a placa estava também foi fiscalizado e o proprietário retirou o cartaz.

Por nota, a Associação Catarinense de Supermercados (Acats) solicitou que os supermercados associados evitem vender os ossos bovinos consumo humano e façam a doação.

Alternativa de segurar inflação

Contudo, a Associação dos Frigoríficos Independentes de Santa Catarina (Afisc) defendeu a venda e disse que ela deve ser continuada e incentivada como uma alternativa de segurar inflação e preços.

"Quando as pessoas buscam alternativas mais baratas, elas freiam o consumo de cortes mais caros e faz com que a economia mais rapidamente volte a estabelecer os patamares de preços [...]. A partir do momento que o Procon proibir isso, vai tirar uma fonte de proteína importante que são esses retalhos. Isso vai encarecer o preço da carne e mais gente vai disputar a mesma carne", afirma o presidente da associação, Miguel do Valle.

Situação crítica

O presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Santa Catarina (Consea), Lucidio Ravanello, define a compra de ossos para a alimentação humano como uma situação de "absoluta humilhação""Realmente denota uma situação trágica da situação do povo brasileiro, tendo que se utilizar da compra de ossos indiscriminados [misturados] para a alimentação", afirma.

Lucidio relembra que o consumo de ossos de alguma parte da carcaça bovina, faz parte da elaboração de iguarias é comum, contudo, a prática atual está se mostrando diferente.

"Ninguém escolhe comprar isso por opção. As pessoas não estão comprando para comer ossobuco, ou algo do tipo. Isso indica o desespero de ter o que comer, a fome que a população está passando", conta a professora do curso de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisadora da Alimentação Coletiva, Marcela Boro Veiros.

O diretor-executivo da Ação da Cidadania, Rodrigo "Kiko" Afonso, afirma que a substituição alimentar tem acontecido em todo o Brasil. E afirma que os impactos psicológicos do consumo deste tipo de produtos são imensuráveis para as famílias.

"As pessoas de todas as classes sociais tiveram que ir reduzindo o seu padrão de alimentação. Você vê a classe média deixando de usar carne de primeira para usar carne de segunda ou de terceira. E medida que você vai descendo a pirâmide social vai piorando. Até que chega um ponto onde esse família consome o osso. E infelizmente a base da pirâmide é muito grande. Lembrando que o primeiro nível de insegurança alimentar, o leve, já envolve substituição de alimentos" explica o diretor-executivo da Ação da Cidadania, Rodrigo "Kiko" Afonso.

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