Fonte: Diário do Porto
É de dar dó. Quem já passou pelo Galpão da Cidadania no Porto Maravilha durante as campanhas do Natal Sem Fome não reconhece o movimento na enorme estrutura que já viveu tempos de fartura de doações de alimentos. Ano passado mesmo, no começo da pandemia, os espaços da antiga fábrica ficavam cheios de cestas básicas doadas por empresas, instituições e a população em geral. Hoje, o que chega mal dá para as comunidades vizinhas.
A Ação da Cidadania vive dias de penúria de doações de alimentos no momento em que as desigualdades sociais mais se acentuam por conta da pandemia. Pesquisas recentes apontam que 63 milhões de brasileiros passaram a viver abaixo da linha da pobreza. Mas a escassez de doações de alimentos para distribuir a quem mais precisa não ocorre somente no Rio de Janeiro. Ao contrário, é a realidade de vários estados, por conta do empobrecimento da população.
Para se ter uma ideia, em 2020 a Ação da Cidadania – pioneira nas grandes ações de mobilização para o combate à fome no país – comprava e distribuía perto de 80 mil cestas por mês. Agora, só consegue distribuir 8 mil, apenas 10%. No mês em que o projeto idealizado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, completa 28 anos de trabalho ininterrupto, não há o que comemorar.
225 milhões de pratos em 28 anos
Em todos esses anos, a ONG já atendeu mais de 22 milhões de brasileiros com mais de 45 mil toneladas de alimentos, o que equivale a 225 milhões de pratos de comida. Em 2020, arrecadou o suficiente para 10 mil toneladas de alimentos, que apoiaram quase 4 milhões de pessoas em todos os estados.
A Ação da Cidadania não estabeleceu meta para este ano, mas a ideia é superar 2020, ou seja, 10 mil toneladas juntando as duas ações. Desta vez, foi criado um site exclusivo (https://www.brasilsemfome.org.br/) para o recolhimento das doações e sem pontos fixos de coleta, por conta da pandemia. Lançada em fevereiro, a Campanha do Brasil Sem Fome, até o momento, já auxiliou mais 48.000 brasileiros e brasileiras, distribuindo mais 12 mil cestas.
Desde o ano passado a ONG vem fazendo ações para mobilizar o setor empresarial a contribuir com a causa. A nova campanha seguirá de forma contínua até julho, com o apoio da Rede Brasil do Pacto Global, programa da ONU que promove os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) entre as empresas.
Famílias procuram comida no lixo
Para Rodrigo Kiko Afonso, diretor executivo da Ação da Cidadania, a dramática situação de insegurança alimentar é inadmissível após um ano em que a pandemia do coronavírus piorou a vida de tantas famílias.|
"O debate da fome é algo que vem sendo discutido ano após ano no Brasil por entidades do terceiro setor. Sem alimentos básicos e fundamentais na mesa dos brasileiros, como fica a situação destas famílias que estão vivendo abaixo da linha da pobreza? As famílias estão sobrevivendo de restos, de doações e muitas vezes tendo que procurar no lixo, o que comer”, lamenta.
A criação de campanhas ininterruptas visa a dar um pouco mais de qualidade de vida aos brasileiros. “Além da falta de alimentos, já lhes foi privado também a dignidade. Enquanto as crises não se solucionam, as pessoas precisam do nosso apoio, afinal, como diria Betinho, ‘quem tem fome, tem pressa'”, diz o ativista.
Brasil de volta ao mapa da fome
Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), 2017-2018, divulgada pelo IBGE apontou que mais de 10,3 milhões de pessoas já vivem em domicílios nos quais houve privação severa de alimentos. Desde o ano passado, o Brasil já dava indícios que voltaria a fazer parte do Mapa da Fome. Dos 68,9 milhões de domicílios no Brasil, 36,7% estavam com algum grau de insegurança alimentar, atingindo 84,9 milhões de pessoas. A prevalência nacional de segurança alimentar caiu para 63,3%, em 2017-2018, alcançando seu patamar mais baixo.
A ONG desenvolve um trabalho de orientação aos governos sobre políticas públicas de combate à fome. No fim do ano passado, a Ação da Cidadania criou uma cartilha com 40 propostas sobre Segurança Alimentar e Nutricional em todo o país.