“Quando deixamos de ver grandes mobilizações, as doações começam a cair. Nessas horas surgem outras necessidades, urgências do dia a dia que são percebidas somente por quem faz um acompanhamento contínuo nos territórios”. As palavras do Kiko Afonso, nosso diretor-executivo, ressaltam a importância do trabalho que a Ação da Cidadania desenvolve há três décadas. E não seria diferente quando, no início desse ano, assistimos com indignação a tragédia que atingiu a Terra Yanomami, em Roraima, nos levando a criar mais uma campanha emergencial, a SOS Yanomami, que até hoje segue apoiando a população e entidades locais.
Tão logo surgiu a denúncia de que o território Yanomami vinha sendo dizimado pelo garimpo ilegal e a contaminação das águas e do solo, fomos a primeira organização da sociedade civil a ajudar indígenas doentes e desnutridos. Distribuímos mais de 30 toneladas de alimentos, ferramentas para plantio e reflorestamento, roupas e redes de dormir, além de fraldas, materiais de higiene e lençóis para as unidades de saúde.
Não é de hoje que povos originários vêm sendo atacados e devastados por falta de segurança e políticas públicas que respeitem sua vasta e diversificada cultura. Um exemplo recente disso é o debate sobre o Marco Temporal, projeto que pretende demarcar as terras indígenas no Brasil e tem ligação direta com a situação de fome enfrentada por eles. Afinal, sem acesso às terras que são suas por direito, fica inviável manter suas práticas tradicionais de agricultura e caça, o que faz parte da tradição ancestral.
Diante de tantos desafios, nosso time de Advocacy vêm se dedicando a contribuir com pautas sobre a criação de políticas que somem com o propósito indígena. Recentemente, participamos de um encontro em Brasília com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, sobre a valorização e proteção dos territórios depois da escalada de impunidade e destruição de direitos nos últimos quatro anos.
“Colocamos à disposição nossa estrutura e alcance nacional. Queremos assegurar e apoiar os direitos indígenas, principalmente no que diz respeito à segurança alimentar. Porque a fome afeta a educação, o ambiente, a saúde, a economia e a democracia. Enquanto povos originários são vistos como um ‘problema’ para quem defende atividades que destroem e desmatam nossa terra, centenas deles estão morrendo por falta de recursos”, ressalta Mariana Macário, gerente de Políticas Públicas da Ação.
Também esse ano, acompanhamos de perto a situação na Terra Indígena Munduruku, no município de Jacareacanga, no Pará, em mais uma luta contra a destruição das aldeias por causa do garimpo ilegal. Assim como em Roraima, o estado também vem sofrendo com a falta de comida e a contaminação de rios e do solo.
Mas se engana quem pensa que nosso apoio à população indígena começou agora. Desde a pandemia, a Ação da Cidadania está atuando no combate à fome em aldeias, até mesmo aquelas em que não há comunicação e fácil acesso. É o exemplo de Cruzeiro do Sul, cidade do Acre, já na fronteira com o Peru, que desde então vem recebendo nosso apoio.
“A logística muitas vezes se torna uma barreira. Mas acho que esse também é o nosso diferencial, porque a Ação da Cidadania está presente onde ninguém mais chega. Em Cruzeiro do Sul, foram sete dias de barco rio acima com vários trechos difíceis. Em determinados pontos foi preciso seguir carregando toneladas de cestas por trilhas no meio da mata. Tudo para que o alimento chegasse ao seu destino”, relembra Norton Tavares, nosso gerente de Campanhas.
Do outro lado do país, em Porto Seguro, não é diferente. Em todas as campanhas que promovemos, parte das cestas básicas seguem para comunidades indígenas, como a Costa do Descobrimento, que preserva uma das florestas tropicais mais ameaçadas do planeta, e Aldeia Pataxó Ha Ha Hae, que reúne outras reservas. Também já passamos pelo Xingu, região do Mato Grosso que tem mais de 100 aldeias, e pelo Tocantins, onde vive a população conhecida como Krahô.
Já são 30 anos que a Ação da Cidadania atua no combate à fome e na luta pela igualdade e cidadania. Betinho, como conta o livro “Cidadania – A Fome das Fomes”, foi um mestre em juntar pessoas e pensamentos diversos em torno de uma mesma ideia.
Diálogos Amazônicos
A Ação da Cidadania participou no mês passado em Belém, no Pará, do evento “Diálogos Amazônicos”, que reuniu representantes de governos, empresas e sociedade civil para um debate super importante: a Amazônia.
O comitê do Pará organizou o seminário “Desenvolvimento x Fome na Amazônia: balanço e perspectivas de ações emergenciais e estruturantes na região”, que contou com a participação da nossa gerente de Advocacy, Ana Paula Souza. Ela falou sobre o desenvolvimento sustentável como garantia do direito à alimentação e a defesa da floresta contra os problemas socioambientais. Isadora Gomes, Coordenadora de Políticas Públicas também esteve presente.
Encontros como este são fundamentais para discutir soluções e estratégias para a preservação de um dos ecossistemas mais diversos e importantes do planeta.